segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Breve nota sobre a Amizade


Jack Kerouac desenvolveu seu estilo literário baseado nas conversas e nas cartas que recebia de seu melhor amigo, Neal Cassady (Dean Moriarty, em “On the road”). Esse estilo ficou conhecido como “prosa espontânea”, e também foi influenciado pelo fluxo de consciência onírico de James Joyce, da liberdade e cadência furiosa dos improvisos jazzísticos do bebop, da honestidade sobre como lidar com o sofrimento nos ensinamentos extraídos do Budismo e do Taoísmo.

Mas Neal foi a pedra fundamental desse achado de Keroauc.

Neal era conhecido por sua prolixidade inspirada, seu apetite por anfetaminas e sexo, e sua fidelidade canina aos amigos. Cruzava centenas de quilômetros de costa a costa dos Estados Unidos apenas para ter alguns momentos de prazer e hedonismo com Allen Ginsberg, Kerouac, Willian Burroughs. Sacrificava às vezes sua mulher (quando não a oferecia aos amigos) e filhos, e por fim, sacrificou a si próprio, e morreu jovem, em uma linha de trem no México, após anos de abuso e vida frenética.

A amizade entre os dois é um dos capítulos mais bonitos na história da literatura do século XX, e foi a semente para as rebeliões juvenis que começaram na década de 50 e que se seguiram até o movimento hippie, que provocou repulsa em Kerouac, enquanto Neal foi um entusiasta. O halo havia caído, o ciclo estava encerrado.

Escrevo isso pois percebo nessa dupla o quão frutífera pode ser uma amizade quando não há regras, horários, pruridos, pudores ou grana. Quando tudo pode ser resolvido com uma conversa. Quando nenhuma mulher pode abalar essa amizade, abalizada pelo espírito, pelas vísceras. É preciso ter colhões e estômago forte para uma amizade desse tipo. Às vezes, é preciso engolir o orgulho, e muita merda também.

Outro dia, estava com um amigo íntimo, parceiro musical, e notamos que ao final de cada uma das músicas que tocávamos, apertávamos nossas mãos. Após alguns minutos de elevação e estados alterados, o aperto de mão selaria a nossa volta ao mundo real, estabeleceria o vínculo, nos traria de volta do mundo dos espíritos de olhso fechados.

Nesses tempos histéricos e descompassados de internet e de slogans neoliberais para jovens formandos como “Arbeit macht frei" (“O trabalho liberta”, letreiro de metal da entrada do antigo campo de concentração nazista de Auschwitz), acabamos encontrando os amigos pouco, e apenas em situações de excesso e catarse: festas, bares, rodas etílicas, etc.

Amizade no hedonismo. Por isso você vê as ruas e bares lotados às sextas-feiras em São Paulo. Ficam todos girando loucamente como libélulas em torno de uma luz desbotada, amarelada, nos pequenos botecos sórdidos onde lavamos a roupa suja do tanque que a vida é. São os amigos buscando luminosidade por meio da dor, em meio ao caos que nos cerca e nos devora o coração. “Amizade líquida”, by Zygmunt Bauman.

É por isso que você vê tantas garrafas quebradas nas ruas, sujeira, descaso com o próximo, porque as amizades mal se sustentam em meio ao liquidificador de almas das ruas paulistanas no início de século XXI.

Por isso escrevem que o amor é importante, porra, em meio ao lixo visual dos muros caindo aos pedaços. É por isso que ainda aperto a mão de meus amigos quanto toco “Filho de Santa Maria”, ainda que não os tenha visto há semanas. É por isso que precisamos continuar com a cópula espiritual entre os amigos, a polinização das cores nas almas furtivas para que a arte, ainda que forjada individualmente, possa vicejar.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O artista não passa de um animal de circo na sociedade de consumo (flashbacks)

Só.

A palavra exprime, na sua concisão desesperada, o extremo da solidão e do abandono.

Ainda mais com o sufixo "inho". Sozinho. O espírito dobrado sobre si próprio. Chamada perdida. Cuspe no oceano.

Não queria me contorcer, eu não queria que faltasse um pedaço. Se não bastasse, há ainda a pobreza, a doença dos outros, a tragédia dos outros.

O problema é que os outros acham que superamos tudo. Eu não supero nada, eu acumulo desespero. Por isso estou assustado; penso pelo menos umas trinta ou mil vezes desde que acordo palavras como POESIA LIRISMO morte, velhice, prosperidade, felicidade, Deus, existência, verdade.

Esse é meu vocabulário básico ultimamente. Sinto que não faço parte mais da vida, da sociedade; UM HOMEM ATÉ A BORDA.

ASCENDENTE ESCORPIÃO - NUNCA BRINQUE COM PISCIANO ASCENDENTE ESCORPIÃO me consumo no fogo de minha própria ferroada e me ilumino com a dor.

Universidade Prebisteriana Mackenzie - 2002 (flashbacks)

Eu adorava a Biblioteca do prédio 3, e não saía de lá. Todo mundo ficava intrigado comigo.Foi lá que lia livros do Charles Sander Pierce, criador da Semiótica; lia Francis Ponge, Augusto de Campos Sthendal Shakespeare Jean Genet Willian Blake.

Eu lia Maiakovski Rimbaud T.S. Eliot Oscar Wilde Baudelaire Leminski Ezra Pound e McLuhan. SAUDADES DE MIM.

A professora Malena não me deu nota numa prova certa feita pois achou meu texto tinha sido copiado, e perguntou: "mas você sabe quem é o Ezra Pound e Baudelaire?" e eu expliquei tudo a ela e recebi 10, ali, na hora. Nota na hora, após consulta.

Então vamos seguir, em 2010, o fluxo da LOUCURA, ESSA DEUSA AMORFA.

r.saffuan

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Pontos cardeais/ Funarte - 09/12/2009

Por meio da arte, os homens respiram.

Por meio dos artistas, os homens podem exercitar sua loucura, tomar fôlego, roubar o fogo, esquecer o logro do cotidiano brutal.

Esses organogramas feitos por um coletivo de artistas estavam na Funarte, fixados na parede, e nos fazem lembrar dessa cadeia vital chamada VIDA. Evoé.


quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Show “Isca de Polícia/Anelis Assumpção” – Funarte 07.12/09


“Aqui to eu/ pra te proteger dos perigos da noite e do dia” (Filho de Santa Maria)

Com quantos gênios se faz uma Paulicéia Desvairada, uma Lira Paulistana? Com quantos acordes se faz uma canção clássica?

Com quantos silêncios se fez Itamar?

No último domingo, dia 07, essas indagações foram respondidas de forma satisfatória em dois shows magistrais, além de gratuitos, para alguns poucos privilegiados que tiveram a manha de levantar da cama e compareceram à Funarte. Sobravam cadeiras na plateia, mas isso não importa. Quem estava lá era aficionado pela música de Itamar Assumpção e sua trupe, e isso tornou o show mais vibrante, íntimo, passional.

Quase 30 anos depois, Itamar voltava espiritualmente à sua antológica casa de espetáculos, na sua querida cidade de São Paulo.

A filha do homem, Anelis Assumpção, subiu ao palco primeiro com músicos excepcionais, incluindo Simone Soul na bateria, que tocou junto com Itamar e a banda “Orquídeas do Brasil”. Um áudio rudimentar, talvez até caseiro, de Itamar perseguindo ritmos e sons (“agora é que são elas”, repetia incessantemente, aludindo ao livro do parceiro Paulo Leminski) deu início à primeira música.

A tessitura das canções de Anelis deixa clara a influência de Itamar, mas também possui luz e identidade própria, contemporânea, ágil, inteligente.


Anelis aprendeu muito com as pausas, breques e silêncios do pai. No final do show, estava com lágrimas nos olhos.

Alguns minutos depois, já estavam no palco os integrantes originais da banda (ou bando?) “Isca de Polícia”: Bocato (trombone) Luiz Chagas (guitarra) Paulo Lepetit (baixo) Suzana Salles (voz, acompanhada de Vange Milliet).

Juntos, esse grupo de desconhecidos do grande público gravou algumas das melhores músicas feitas no Brasil nos últimos 30 anos, e influenciaram toda uma geração da chamada “nova MPB” pertencente à década de 90: Lenine, Zélia Duncan, Chico César, Zeca Baleiro, Pedro Luís, Cássia Eller, Ceumar, etc.

Tocaram clássicos como “Sampa midnight”, “Dor elegante”, a fantástica “Filho de Santa Maria” (as duas últimas parcerias com Paulo Leminski), “Zé Pilintra”, “Negra Melodia”. O pessoal foi convidado a dançar e ninguém se fez de rogado. Uma celebração, catarse. À flor da pele. Poesia, mãe das artes e das manhas em geral. Um show memorável, que poderia ser estendido a outros espaços. Só faltou o inimitável Gigante Brazil, a cereja do bolo, que faleceu no ano passado, dormindo, sonhando.

Portanto, se liga: se você gosta desses artistas que são “cantáveis” e/ou “populares”, em rodinhas de violão e quejandos, mas não conhece Itamar, você está perdendo o elo perdido entre o Tropicalismo, Rock 80’s, Reggae brasileiro e a “moderna” MPB. Baratos afins.

O maior crime do mundo foi marginalizarem Itamar, pelo fato de ser negro, tocar uma música inclassificável e escrever letras sem concessões, estéticas, políticas, poéticas. Sem essa de feijão com arroz. Porcaria na cultura tanto bate até que fura.O público atento à sua música nunca ousou cometer esse despautério.

Procurem seus álbuns e confiram. E abaixo, minhas amigas Priscila e Maíra caindo na gandaia:





quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Fim de ano (ao som de “A love supreme", de John Coltrane).





Dezembro é o mais cruel dos meses.

Gosto de sentir o ano ofegante em dezembro, como um imenso elefante abatido a tiros, que aos poucos vai cedendo ao inexorável: o seu destino.

Sinto o doce cheiro de sangue que precede a chuva em dezembro, enquanto meus cílios servem como um guarda-chuva: gosto de chuva e de sangue na camisa de linho. Gosto do gosto, minhas têmporas pulsando ao som de Gainsbourg, a espiral de fumaça ascendendo ao Nada.

No dia 24 de dezembro estarei bebendo vodka, e caso tivesse uma hóstia no momento, mergulharia no meu copo enquanto vejo a missa do Galo. Já sinto o cheiro da ceia natalina que vem da cozinha; são aproximadamente 21 horas; eles já estão comentando sobre o que fazer com as sobras da comida que ainda não provaram. Ansiedade.

Andando nas ruas, sendo abalroado por pedestres, sinto o cheiro de carne queimada que sobe do meu próprio corpo e da multidão, carne das ilusões perdidas em mais um ano. A carne em postas sangrentas dos projetos desfeitos, dos poemas perdidos, dos amores amarelos,

Sinto o cheiro do sangue, do vinho, do esperma, da espera, e principalmente o cheiro da chuva. Os laços de família se perderam nos antigos embrulhos, e agora só nos restam os nós.

O nó no peito é o pior deles. O nó na garganta após uns goles de vodka. O nó fatal do não dito duas vezes. O nó da vida, que não desenlaça.

Só nos resta o nó, só nos resta, neste final de ano: no fio da navalha, no fim da linha, no fim do ano, no fundo do copo, no fundo do poço.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Jules Laforgue e Charles Baudelaire




Chego em casa pensando em poesia e transcrevo trechos dos ensaios de Jules Laforgue, poeta associado ao simbolismo, nascido no Uruguai, educado na França e falecido precocemente aos 27 anos.


Jules utilizava com frequencia a elipse, suprimida em versos curtos, produzindo um efeito hipnótico, aliada à melopéia, o aspecto sonoro da poesia (classificação dada por Ezra Pound, admirador e estudioso da sua obra.)


Linguagem na linha "chulo-irônico": uso de gírias, a fala da rua, nada no bolso ou nas mãos. Jules também escreveu ensaios e prosa criativa. O que publico abaixo são trechos transcritos por mim sobre o magnífico Charles Baudelaire, umas das principais inspirações de Laforgue.


Ao longo da semana pretendo postar alguns dos poemas de Jules da minha predileção. Agora, excertos de um belo ensaio:



LITERATURA: NOTAS SOBRE BAUDELAIRE (EXCERTOS Jules Laforgue - tradução: Régis Bonvicino - editora Iluminuras)



"A poesia moderna - o signo - a perícia técnica da análise, precisão cirúrgica, a ciência do texto alinhada ao progresso tecno-científico."



" O primeiro a falar de si num tom moderado de confessional, e a não adotar um ar inspirado".



"O primeiro a falar de si e de Paris como um condenado ao cotidiano da Capital, mas num tom nobre, distante, superior." (...) Seus discípulos exibiram Paris feito provinicianos deslumbrados com um passeio no bulevar e cansados da tirania das cervejas."



"Ele pode ser cínico, louco etc... Nunca tem um tom canalha (grifo próprio) um tom falso nas expressões com as quais se veste. Sempre cortês com o feio. Ele porta-se bem."



"Descobriu o miado, o miado noturno, semeado aqui e ali por pequenas crispações, o miado único, desesperado, langoroso, exasperado, infinitamente solitário(...)."



AVISO IMPORTANTE SOBRE A POESIA



"O PRIMEIRO a romper com o público. Os poetas dirigiam-se ao público (repertório humano); ele, o primeiro a dizer-se:


"A poesia será coisa de iniciados."



"Embrulha-se em alegorias extralúcidas".



"Fala do ópio como se fosse rotina."

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Oração

que a vida nos indique
o caminho menos árduo
ainda que alguém
a gente sacrifique

ainda que alguém nos risque
dos mapas e das cartas
algo sempre resiste
pequenos pedaços do carma

que Deus continue
com sua mão destra & ágil
masturbando os poemas
e velando pela alma frágil

que o Anjo carregue
tudo que não valha a pena
a pecha de maldito serve
àquele que o condena

que tudo sublime
o nosso não amor
até que suba bem alto
e no infinito fique

R.Saffuan

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Exposição: “Paulo Leminski: 20 anos em outras esferas”.

(Poema em guardanapo arquivado por Ademir Assunção)

“Melhor morrer de vodka do que de tédio”.


Os versos do grande poeta russo Maiakovski definem com precisão a vida fulgurante do poeta paranaense Paulo Leminski, que faleceu em 1989, ano mais que emblemático para aquele apaixonado pela Revolução Russa, biógrafo de Leon Trotski, que caiu no mesmo ano do Muro de Berlim e das utopias que separavam o mundo em dois blocos hegemônicos.


Paulo Leminski deixou há 20 anos essa vida para “viver o delírio de outras esferas”, como o próprio definiu em um bilhete para a família, em tom amargo despedida, e de onde o curador da exposição e amigo de Paulo, o escritor e jornalista Ademir Assunção (Pinduca) retirou o excerto que dá nome à exposição do Itaú Cultural.


Mas como adverte o texto de apresentação de Ademir sobre a expo, “Paulo Leminski continua mais vivo do que muitos vivos”, dado o interesse das novas gerações pela sua instigante obra, que necessita de reedição urgente e imediata.


A interatividade é o grande lance dessa exposição, já que Leminski sempre foi um poeta multimídia, transitando por todas as formas de expressão artística, quando o computador pessoal ainda era um delírio e a internet, a materialização da “aldeia global”, de Marshall McLuhan, um sonho de ficção científica.


É possível ver e ouvir a versatilidade de Leminski por meio de um documentário onde o poeta sai às ruas de madrugada para grafitar paredes com frases de efeito (“Quem tem Q.I, vai”, é uma delas); no programa da rede Bandeirantes, TV de Vanguarda, onde atuava em quadros sobre literatura e discorria sobre Kafka, Mishima, Drummond (vídeos espalhados pela exposição); ou ainda no som ambiente que toca ininterruptamente 21 músicas de autoria de Leminski, gravadas por Arnaldo Antunes, Moraes Moreira, Blindagem, entre outros.


Outra solução interessante para contemplar toda a vasta obra de Leminski ao público foi a disposição de três computadores nos quais você pode acessar ícones diversos que te encaminham a um poema, uma canção, uma frase, uma leitura da poeta e parceira de vida Alice Ruiz, de uma frase ou poema. Interessante ver como as crianças, já adaptadas plenamente à era da informática, se divertem manuseando o mouse sobre a obra do Bandido que sabia Latim.


Ademir Assunção vasculhou os arquivos do poeta que estão sob a tutela da sua filha Áurea Leminski, em Curitiba, onde estão guardados cadernos com inéditos, originais grafados em guardanapos (que parecem palimpsestos egípcios), manuscritos do livro “Catatau” e outras raridades. Alguns desses versos inéditos estão na exposição, espalhados em todos os cantos, para o deleite dos admiradores da sua obra:

Nenhuma linha reta
na árvore de galhos
para servir de seta

nenhuma linha curva
nas varas retas
para servir de arco

-------------------------------------------------
(...)
Só quando
Estamos em nós
Estamos em paz
Mesmo que estejamos a sós (Contra-narciso)

Ou ainda saborear as pérolas de linguagem que às vezes ficam esquecidas na memória:

“Que Deus escondeu na uva o vento louco da embriaguez?”.

“A nós, gente, só foi dada/ essa maldita capacidade/transformar amor em nada”.

“Quem vai embora não embolora”.

“A lucidez é feita de muitas coisas obscuras”.

“A poesia é o que chamo de INUTENSÍLIO. Ela não tem mistério, mas é todo mistério. É como querer justificar o orgasmo, ou um gol do Zico, que só tem sentido pela plena alegria que aquilo proporciona”.

“Dionísio Ares Afrodite/ aos deuses mais cruéis/juventude eterna!/eles nos dão para beber/ na mesma taça/ o vinho o sangue e o esperma.”

“Eu busco a velocidade das trevas”.

Observação: A direção do Itaú Cultural ainda não entendeu que estamos na era da livre, plena, e irrestrita divulgação de documentos audiovisuais, e não permite que os visitantes fotografem a exposição, sem antes entrar em contato com a assessoria de imprensa, etc. Falei com o Ademir assunção via internet, e ele disse que, por ele, tava tudo liberado. Enfim, eu não sabia, cheguei lá e fiquei sem o registro. Aqui no blog do Ademir vocês podem conferir fotos e as estórias por trás da exposição.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Reflexões noturnas sobre a existência de Deus. Mulheres no front espiritual.

(Gustav Klint - the Kiss)

O fato inexorável da mulher prover a Vida, carregando-a durante nove meses no ventre, a coloca mais próxima da criação, e, portanto, de Deus.

Ainda que alcoólatras, drogadas, maníacas, durante os nove meses de gestação, um milagre por dia acontece em surdina, entranhado nas vísceras dessas mulheres.


Observem como as mulheres morrem menos do que os homens por muitas causas que denotam ausência, solidão metafísica, falta de fé: alcoolismo, velocidade no trânsito, brigas em estádios de futebol.


Acho que a fé nas mulheres é intrínseca, ainda que não direcionada a um objeto definido.

E talvez nossa sociedade esteja equiparando homens e mulheres de forma atroz, o que é totalmente nefasto.

Condições empregatícias equânimes, salários mais justos e divisões de tarefas no lar, sim.
Agora, neurose gratuita, amargura e falta de gentileza, jamais. Nelson Rodrigues iria se fartar nesse cenário.

Mas, convenhamos, as mulheres são o sexo frágil? Vocês devem estar brincando.

Segundo sexo, Simone? Primeiro sexo. Força motriz da humanidade.

R.Saffuan

sábado, 17 de outubro de 2009

Anacronismo brutal - Brasil - O freela que não me pagaram. Jornalismo e Trabalho escravo.




O trabalho infantil nas carvoarias brasileiras perdura como um melancólico retrato em branco e preto da era pós-Industrial


A Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra em meados do século XVIII, foi o principal propulsor (ao lado da Revolução Francesa) da queda do antigo regime agrário e arcaico que vigorou durante séculos na Europa, e se espalhou como um rastilho de pólvora por todo o mundo, instaurando um novo modelo econômico e social baseado na indústria e a livre iniciativa do comércio burguês.

Tal empreitada só foi possível graças ao uso de importantes insumos para produção de máquinas e de fábricas, onde o carvão vegetal teve um papel imprescindível: era obtido por um baixo custo, em larga escala e utilizando uma mão de obra barata, já que as indispensáveis leis trabalhistas, que zelam pela saúde do empregado, eram devaneios distantes e utópicos dentro da frenética atividade que começava a despontar nas indústrias.

Mão de obra barata era um eufemismo para escravidão naquelas condições. E outros países, com uma industrialização bem mais tardia que a dos países europeus, ainda convivem com essa realidade sob o aspecto do trabalho infantil, exercido por crianças e adolescentes com menos de 16 anos, e que na maioria dos casos caracteriza-se por um trabalho escravo, sob qualquer prisma de análise: carga horária semelhante ou pior que as estipuladas para um adulto, salários aviltantes, quando não são inexistentes, insalubridade e risco de vida pelo trabalho exercido, etc. A lista é tão desoladora quanto extensa.

O Brasil, último país das Américas a abolir a escravidão, em 1888, convive com tais realidades entrelaçadas, tanto a do trabalho infantil quanto a do trabalho escravo, os dois fatores em um só nos trabalhos exercidos por crianças nas carvoarias brasileiras, espalhadas por vários estados e com uma importante atividade para a indústria, em especial as siderúrgicas, que se utilizam dessa matéria prima para a produção de ferro-gusa e aço, exportados principalmente para a China e Estados Unidos.

Há uma relação intrínseca entre o uso de carvão vegetal e o início do processo de industrialização no Brasil e a nascente indústria do aço e exploração de minério de ferro (outro insumo usado com carvão vegetal), marcados pela abundância de floresta nativa para extração de madeira, sem programas de reflorestamento, a baixa produção de custo da mão de obra e o quase inexistente uso do carvão mineral à época, meados do século passado, importado ou produzido no país, mas impossibilitado de ser utilizado pelo comércio em função da malha viária precária. Nos últimos anos, o crescimento pela demanda de matérias-primas e insumos na economia global coloca o Brasil como um importante exportador, e concomitantemente um anacrônico retrato de exploração do elo mais fraco, que são os trabalhadores de carvoarias, onde se encontram muitas crianças.

Um relatório produzido em 2002, pelo então deputado Orlando Fantazzini, sobre exploração de trabalho de crianças e adolescentes em diversas atividades (trabalho em olarias; extração de pedras, areia, argila), revela com crueza a brutalidade do cotidiano das carvoarias: “(...) Trabalho noturno. Exposição a níveis elevados de pressão sonora (moto-serra). Esforço físico. Exposição à radiação solar. Picada de animais peçonhentos. (...) Queda de toras. Preparação e aplicação da barrela. Manuseio do fogo. Altas temperaturas. Calor excessivo. Exposição a variações bruscas de temperatura. Explosão e desabamento do forno combustão espontânea do carvão. Fumaça contendo subprodutos da pirólise e da combustão incompleta: ácido pirolenhoso, alcatrão, metanol, acetona, acetatos, CO, CO2, metano. Monotonia acompanhada do estresse da tensão(..).

O governo brasileiro tem feito esforços para diminuir o trabalho infantil nas últimas duas décadas, segundo trabalho do PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio) do IBGE, com crianças entre 5 a 17 anos, entre 1993 e 2004, indicando uma queda pela metade na atividade. A mesma pesquisa de 2008 indica que 4,8 milhões de crianças permanecem trabalhando.

Segundo o documento “O trabalho infantil em cadeias produtivas de base mineral” do CETEM (Centro de Tecnologia Mineral), publicado em dezembro de 2006, a produção de carvão vegetal ocorre em todo território brasileiro, aproximadamente 2.950 num total de 5.560 municípios, e em muitos deles há vultoso número de crianças e adolescentes trabalhando. Os estados com maior número de municípios na produção são Minas Gerais (311) e Bahia, e o Maranhão, que produz em todos os seus 217 municípios (IBGE, 2004).

A produção de ferro-gusa no país, do qual o aço é produzido e alimentado pelo carvão vegetal, se encontra em cinco importantes pólos: Quadrilátero Ferrífero – MG; Marabá – Pará; Açailândia – MA; Vitória – ES; Corumbá – MS (CETEM, 2004). Nos estados do norte, a produção de carvão vegetal está nos estados do Pará e Maranhão, dois pólos de ferro-gusa da região; a Amazônia, com sua disponibilidade mineral, é outro pólo importante de carvão, e o ferro-gusa ali produzido é utilizado no mundo todo, principalmente em peças automotivas.

Em novembro de 2006, uma extensa e detalhada reportagem publicada no site da agência de notícias Bloomberg News, pelos jornalistas Michael Smith e David Voreacos (“Slaves in Amazon Forced to Make Material Used in Cars”), revelou a relação entre o aço utilizado por grandes corporações norte-americanas, como a Nucor Corporation, General Motors e Ford utilizavam a matéria prima do ferro-gusa produzida por trabalho escravo (e infantil, levando em conta nesse nicho de trabalho) no Brasil, relatando a imensa cadeia de produção que leva o produto de um trabalho produzido aqui até as mais altas corporações com alto poder tecnológico e econômico, gerou grande repercussão e forçou empresas como a Ford a parar de importar o ferro-gusa brasileiro. À época, houve um imbróglio diplomático entre os países, por conta da vontade do governo norte-americano em checar as informações sobre o fato, por parte do deputado democrata Dennis Kucinich, que não foi levada adiante.

Pesquisa divulgada esse ano pelo IBGE aprofunda ainda mais a discussão em torno do trabalho infantil no Brasil: 59,5% dos brasileiros com idade entre 5 e 13 anos que trabalhavam em 2007 eram pretos ou pardos, comprovando o imenso desnível social que existe entre as raças no país.

Somadas todas as questões, o quadro permanece desolador até o momento, e o governo brasileiro precisa empenhar-se muito mais se desejar obter êxito na erradicação do trabalho infantil e escravo no país, sombras que se espreitam, lado a lado.


R. Saffuan (novembro/2008)


Obs: Esse texto foi um freela para uma revista de direito trabalhista. Não fui pago até hoje. Brasil.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Maria Eulália blues



Maria Eulália é um apartamento na rua Augusta, onde moram e já moraram alguns brothers.

Numa madrugada, compus esse poema/canção:


Madrugada

Hora em que meu coração separa

A angústia da calma

O fígado da alma


baixo Augusta, vidas ilhadas

onde o ódio e o amor

Andam de mãos dadas


Boemia não conhece progresso

Mas me tens de regresso

À baixa Idade Média


Necrópole do excesso

Os cacos de vidro

Revelam a noite passada


Mosaicos da libido

Os policias, apenas decorativos

Pode relaxar...


Amar aqui é confuso

Fliperama letal dos emos

Via arterial dos loucos


Latrina da Paulista

Estamos todos roucos

É o fim da picada


Tarde demais pras drogas

E cedo demais pro amor

Eu vou embora...


R.Saffuan


terça-feira, 13 de outubro de 2009

O que estou lendo



The life of Hunter S. Thompson: An oral biography - Jann S. Wenner/Corey Seymour

No prefácio do livro "Vida", coletânea de quatro biografias escritas por Paulo Leminski, a sua esposa e também escritora Alice Ruiz explica a escolha dos biografados de Paulo sob o prisma do universo masculino:

- Esses mortos precoces, dois por assassinato - Jesus e Trótski - e dois por precariedade - Cruz e Souz e Bashô - foram seus heróis por excelência. Não sei se seriam os meus. Mesmo porque essa é uma tradição entre os meninos. Em nossa infância as histórias e os gibis não traziam heroínas, só heróis. Que faziam os meninos sonharem com sues próprios grandes feitos quando crescessem. Heróis que eram substituídos ou abandonados quando efetivamente cresciam, determinado o brilho ou a mediocridade dos seus destinos.

Hunter S. Thompson é um dos meus heróis da fase adulta.

Até agora, li todos os livros escritos por ele que tiveram tradução aqui no Brasil (Rum, Hell's Angels, Screwjack, Reino do Medo, Medo e Delírio em Las Vegas, A grande caçada dos tubarões). Essa biografia oral sobre Hunter ainda não possui tradução, mas é fundamental dentro da estante da literatura e do jornalismo Gonzo, estilo tão comentado e alardeado, mas tão pouco lido.

Jann S. Wenner, um dos dois compiladores das entrevistas contidas nessa biografia oral, é o fundador da revista Rolling Stone e também foi o editor dos textos de Hunter por quase 30 anos, textos esses que deram alforria espiritual à revista, diferenciando-a do nicho babaca e estreito ligado ao rock and roll.

Hunter trouxe aos leitores da Rolling Stone um outro olhar devastador sobre o sonho americano, a falência desse sonho Jann, além de tudo, era um fã da escrita de Hunter, além de amigo companheiro de farras.

No livro, as vozes de personagens tão díspares como Pat Buchanan, redator dos discursos do presidente Nixon (seu ódio pelo ex-presidente se fez valer após o escândalo Watergate, e rendeu páginas memoráveis de escárnio e humor negro) até Sonny Barger, líder da gangue de motoqueiros Hell's Angels, passando por Jack Nicholson, Tom Wolfe e Johnny Depp, entre outros, ajudam a compor o enigma febril que foi o Dr. Thompson.

Caipira do Kentuck, obsecado por armas e violência, com um estilo de vida bizarro, regado a álcool e drogas.

O patriota às avessas, que concorreu às eleições para ser sheriff em Aspen, pelo "partido Freak Power".

O jornalista disciplinado que buscava checar e apurar todos os fatos quando não os conhecia com profundidade, em especial na cobertura das eleições presidenciais de 1972, durante um ano, que culminou no livro "Fear and Loathing on the Campaign Trail", considerado por muitos o relato mais fidedigno da campanha.

O camarada de todas as horas que oferecia aos amigos duros a única grana que possúia depositada no banco, segundo sua esposa Sandy.

O trapaceiro junkie que não cumpria acordos: Hunter não pagou um barril de cerveja aos Hell's Angels, que fora acordado como pagamento após a conclusão do livro, que narrou o lado podre e desgradável da geração flower power, uma leitura do "lixo branco" marginalizado dos anos 60, matéria literária do seu herói Willian Faulkner.

Personagem e criatura que se misturaram. Raoul Duke e Hunther Thompson. Mr. Jekkyl e Dr. Hyde. Rodeado de parasitas que viviam às custas da sua celebridade "Gonzo", fama essa que propiciou a sua decadência, assim como Jack Kerouac.

Um dos melhores escritores americanos de todos os tempos. Tom Wolfe, um dos papas do New Journalism, o considera "o maior satirista em língua inglesa do século XX. E ainda fundou o estilo Gonzo, que era o Novo Jornalismo levado às suas últimas consequências: dissolução entre narrador e personagem, uso de drogas durante a matéria e na confecção do texto, humor e muita elegância no estilo, a despeito de tudo isso".

E como disse certa vez o doutor:

- "Escrever é o mais odioso tipo de trabalho pra mim. Acho que é meio como foder: só é divertido pra quem é amador. Putas velhas não ficam dando risadinhas por aí.

R.Saffuan

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Dia das crianças




Na fila do doce distribuído pela minha madrinha Dirce. Aparecida. Acho que foi em 1990. Eu sou o quarto da fila, de trás pra frente.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Ela



(Willian de Kooning)


She – tradução – R.Saffuan



Dentro da minha faixa etária e pelo tipo de mulheres que conheço, ela é rara. Única. Especial.



Não gosta de cerveja, mas adora cosmopolitan.



Prefere assistir uma seqüência dilacerante de filmes introspectivos num sábado à noite ao invés de freqüentar os ruidosos bares da Augusta ou da Vila Madalena.



Ela não vai à manicure semanalmente. Na verdade, ela rói as unhas. Ela não troca figurinhas com as amigas a respeito de tipos de corte de cabelo, ou da pintura ideal para se atingir um tom agradável.



Ela não usa salto alto, a não ser em formatura ou casamento. Não usa tailler, decotes, maquiagem carregada.



Ela se expressa com o máximo de clareza possível, se não for para explicar sentimentos. Ela tem uma voz sensual, uma dicção perfeita e uma altivez de rainha, principalmente quando faz um coque no cabelo.



Ela é aquele tipo de mulher que te empresta um cd do Tom Waits no primeiro encontro amoroso e deixa seu coração com um rombo do tamanho do Grand Canyon e uma correnteza de whisky nas veias tragando velhas folhas secas num vórtice.



Ela não assiste a grade da televisão aberta. Ela não gosta de bestsellers, daquele tipo tão ruim, que quando você larga não consegue mais pegar.



Ela é aquele tipo de mulher que não justifica nada. Não pede desculpas, não contemporiza, não atenua a crueza dos fatos. Ela sabe como as coisas são, e aceita a natureza trágica embutida na alma de cada um de nós.



Ela sabe quando as chamas atingem sua fúria máxima e já consumiram as fotografias na parede de casa, e quando já não existem argumentos.



E o perfume da sua pele, da sua tez quase branca, é o mais inebriante que conheço.




Ela é a única, a única mulher que eu amei. A mulher ideal.



Yuri Gligoric

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Pacto pela sustentabilidade do Absurdo ou a Reinvenção do Mundo



- O assunto agora são as coitadas das sacolas plásticas. Financial Times, The Economist, Portal Eco e até a revista Veja não as per doam. Não poupam adjetivos desabonadores às ditas cujas. As grandes vilãs do século XXI. Elas geram o repúdio dos ambientalistas do Greenpeace.

- Valendo! Vá ao primeiro mercado da esquina e pegue quantas sacolas plásticas você quiser.

- Carlos Minc com uma sacola do Pão de Açúcar na cabeça, dois buracos nos olhos e um na boca, ao lado de Alfredo Sirkis e José Luiz Penna, ambos do Partido Verde, fazem como reféns funcionários da Petrobras.

- Lula convida oposição para o churrasco do pré-sal; traga sua picanha, mas não compre da Bertin.

- Monsanto cria método que suscita Alzheimer em agricultores de 20 anos de idade.

- Senador Mão Santa, do Piauí, continua passando a auréola no rabo do povo.

- O governador do Mato Grosso é estraçalhado por 10 onças famintas – o animal totêmico do Brasil. A cédula de 50 reais.

- José Martí: “Todas as glórias do mundo cabem em um grão de milho”.

- Gilberto Kassab vestido com uma roupa de empregada doméstica varre pontas de cigarro na Paulista num domingo de manhã.

- São Paulo é uma cidade imunda com uma lei chamada Cidade Limpa. Compor uma música chamada “Chão de bitucas”, paródia de Orestes Barbosa.

- Al Gore com um balde de água e um ventilador portátil tenta incessantemente preservar um iceberg enquanto serve sushi de salmão para um urso polar.

- E como diz Sam Walton, fundador do Walmart, EU SOU O CLIENTE QUE NUNCA VOLTA!

R.Saffuan