sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Bênçãos silenciosas



Na quinta dose eu era a metamorfose em carne viva de todos meus sentimentos: a pele enrugada, os cílios caídos sobre a mesa que foram sendo levados pelas formigas, os copos vazios em círculos de Stonehage.

Na quinta dose eu era uma guitarra encostada no amplificador, gritando microfonias para a plateia vazia do teatro.

No peito, a quinta dose descia como um elevador fantasma guiado por ecos, em um prédio tingido de sangue, perto de todos os medos enrodilhados como uma sucuri de carne, vísceras abertas ao Deus morte.

Na quinta dose, eu era o amor on the rocks, eu era a pura emoção destilada em lágrimas fervidas, eu era um tubarão rondando o desespero da tormenta, eu era a rosa curvada após a tempestade, eu era a heroína e a ausência da seringa.

Na quinta dose, eu era quinze vezes o filho da minha mãe, eu era a sexta fração do coração da mulher que amo, eu era a terceira ponte de safena do meu pai, eu era a inconsciência de todos os meus amigos que sofrem de amnésia crônica.

Eu era apenas um dia sem vento.


r saffuan