quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Show “Isca de Polícia/Anelis Assumpção” – Funarte 07.12/09


“Aqui to eu/ pra te proteger dos perigos da noite e do dia” (Filho de Santa Maria)

Com quantos gênios se faz uma Paulicéia Desvairada, uma Lira Paulistana? Com quantos acordes se faz uma canção clássica?

Com quantos silêncios se fez Itamar?

No último domingo, dia 07, essas indagações foram respondidas de forma satisfatória em dois shows magistrais, além de gratuitos, para alguns poucos privilegiados que tiveram a manha de levantar da cama e compareceram à Funarte. Sobravam cadeiras na plateia, mas isso não importa. Quem estava lá era aficionado pela música de Itamar Assumpção e sua trupe, e isso tornou o show mais vibrante, íntimo, passional.

Quase 30 anos depois, Itamar voltava espiritualmente à sua antológica casa de espetáculos, na sua querida cidade de São Paulo.

A filha do homem, Anelis Assumpção, subiu ao palco primeiro com músicos excepcionais, incluindo Simone Soul na bateria, que tocou junto com Itamar e a banda “Orquídeas do Brasil”. Um áudio rudimentar, talvez até caseiro, de Itamar perseguindo ritmos e sons (“agora é que são elas”, repetia incessantemente, aludindo ao livro do parceiro Paulo Leminski) deu início à primeira música.

A tessitura das canções de Anelis deixa clara a influência de Itamar, mas também possui luz e identidade própria, contemporânea, ágil, inteligente.


Anelis aprendeu muito com as pausas, breques e silêncios do pai. No final do show, estava com lágrimas nos olhos.

Alguns minutos depois, já estavam no palco os integrantes originais da banda (ou bando?) “Isca de Polícia”: Bocato (trombone) Luiz Chagas (guitarra) Paulo Lepetit (baixo) Suzana Salles (voz, acompanhada de Vange Milliet).

Juntos, esse grupo de desconhecidos do grande público gravou algumas das melhores músicas feitas no Brasil nos últimos 30 anos, e influenciaram toda uma geração da chamada “nova MPB” pertencente à década de 90: Lenine, Zélia Duncan, Chico César, Zeca Baleiro, Pedro Luís, Cássia Eller, Ceumar, etc.

Tocaram clássicos como “Sampa midnight”, “Dor elegante”, a fantástica “Filho de Santa Maria” (as duas últimas parcerias com Paulo Leminski), “Zé Pilintra”, “Negra Melodia”. O pessoal foi convidado a dançar e ninguém se fez de rogado. Uma celebração, catarse. À flor da pele. Poesia, mãe das artes e das manhas em geral. Um show memorável, que poderia ser estendido a outros espaços. Só faltou o inimitável Gigante Brazil, a cereja do bolo, que faleceu no ano passado, dormindo, sonhando.

Portanto, se liga: se você gosta desses artistas que são “cantáveis” e/ou “populares”, em rodinhas de violão e quejandos, mas não conhece Itamar, você está perdendo o elo perdido entre o Tropicalismo, Rock 80’s, Reggae brasileiro e a “moderna” MPB. Baratos afins.

O maior crime do mundo foi marginalizarem Itamar, pelo fato de ser negro, tocar uma música inclassificável e escrever letras sem concessões, estéticas, políticas, poéticas. Sem essa de feijão com arroz. Porcaria na cultura tanto bate até que fura.O público atento à sua música nunca ousou cometer esse despautério.

Procurem seus álbuns e confiram. E abaixo, minhas amigas Priscila e Maíra caindo na gandaia:





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