quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Fim de ano (ao som de “A love supreme", de John Coltrane).





Dezembro é o mais cruel dos meses.

Gosto de sentir o ano ofegante em dezembro, como um imenso elefante abatido a tiros, que aos poucos vai cedendo ao inexorável: o seu destino.

Sinto o doce cheiro de sangue que precede a chuva em dezembro, enquanto meus cílios servem como um guarda-chuva: gosto de chuva e de sangue na camisa de linho. Gosto do gosto, minhas têmporas pulsando ao som de Gainsbourg, a espiral de fumaça ascendendo ao Nada.

No dia 24 de dezembro estarei bebendo vodka, e caso tivesse uma hóstia no momento, mergulharia no meu copo enquanto vejo a missa do Galo. Já sinto o cheiro da ceia natalina que vem da cozinha; são aproximadamente 21 horas; eles já estão comentando sobre o que fazer com as sobras da comida que ainda não provaram. Ansiedade.

Andando nas ruas, sendo abalroado por pedestres, sinto o cheiro de carne queimada que sobe do meu próprio corpo e da multidão, carne das ilusões perdidas em mais um ano. A carne em postas sangrentas dos projetos desfeitos, dos poemas perdidos, dos amores amarelos,

Sinto o cheiro do sangue, do vinho, do esperma, da espera, e principalmente o cheiro da chuva. Os laços de família se perderam nos antigos embrulhos, e agora só nos restam os nós.

O nó no peito é o pior deles. O nó na garganta após uns goles de vodka. O nó fatal do não dito duas vezes. O nó da vida, que não desenlaça.

Só nos resta o nó, só nos resta, neste final de ano: no fio da navalha, no fim da linha, no fim do ano, no fundo do copo, no fundo do poço.

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