terça-feira, 20 de outubro de 2009

Reflexões noturnas sobre a existência de Deus. Mulheres no front espiritual.

(Gustav Klint - the Kiss)

O fato inexorável da mulher prover a Vida, carregando-a durante nove meses no ventre, a coloca mais próxima da criação, e, portanto, de Deus.

Ainda que alcoólatras, drogadas, maníacas, durante os nove meses de gestação, um milagre por dia acontece em surdina, entranhado nas vísceras dessas mulheres.


Observem como as mulheres morrem menos do que os homens por muitas causas que denotam ausência, solidão metafísica, falta de fé: alcoolismo, velocidade no trânsito, brigas em estádios de futebol.


Acho que a fé nas mulheres é intrínseca, ainda que não direcionada a um objeto definido.

E talvez nossa sociedade esteja equiparando homens e mulheres de forma atroz, o que é totalmente nefasto.

Condições empregatícias equânimes, salários mais justos e divisões de tarefas no lar, sim.
Agora, neurose gratuita, amargura e falta de gentileza, jamais. Nelson Rodrigues iria se fartar nesse cenário.

Mas, convenhamos, as mulheres são o sexo frágil? Vocês devem estar brincando.

Segundo sexo, Simone? Primeiro sexo. Força motriz da humanidade.

R.Saffuan

sábado, 17 de outubro de 2009

Anacronismo brutal - Brasil - O freela que não me pagaram. Jornalismo e Trabalho escravo.




O trabalho infantil nas carvoarias brasileiras perdura como um melancólico retrato em branco e preto da era pós-Industrial


A Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra em meados do século XVIII, foi o principal propulsor (ao lado da Revolução Francesa) da queda do antigo regime agrário e arcaico que vigorou durante séculos na Europa, e se espalhou como um rastilho de pólvora por todo o mundo, instaurando um novo modelo econômico e social baseado na indústria e a livre iniciativa do comércio burguês.

Tal empreitada só foi possível graças ao uso de importantes insumos para produção de máquinas e de fábricas, onde o carvão vegetal teve um papel imprescindível: era obtido por um baixo custo, em larga escala e utilizando uma mão de obra barata, já que as indispensáveis leis trabalhistas, que zelam pela saúde do empregado, eram devaneios distantes e utópicos dentro da frenética atividade que começava a despontar nas indústrias.

Mão de obra barata era um eufemismo para escravidão naquelas condições. E outros países, com uma industrialização bem mais tardia que a dos países europeus, ainda convivem com essa realidade sob o aspecto do trabalho infantil, exercido por crianças e adolescentes com menos de 16 anos, e que na maioria dos casos caracteriza-se por um trabalho escravo, sob qualquer prisma de análise: carga horária semelhante ou pior que as estipuladas para um adulto, salários aviltantes, quando não são inexistentes, insalubridade e risco de vida pelo trabalho exercido, etc. A lista é tão desoladora quanto extensa.

O Brasil, último país das Américas a abolir a escravidão, em 1888, convive com tais realidades entrelaçadas, tanto a do trabalho infantil quanto a do trabalho escravo, os dois fatores em um só nos trabalhos exercidos por crianças nas carvoarias brasileiras, espalhadas por vários estados e com uma importante atividade para a indústria, em especial as siderúrgicas, que se utilizam dessa matéria prima para a produção de ferro-gusa e aço, exportados principalmente para a China e Estados Unidos.

Há uma relação intrínseca entre o uso de carvão vegetal e o início do processo de industrialização no Brasil e a nascente indústria do aço e exploração de minério de ferro (outro insumo usado com carvão vegetal), marcados pela abundância de floresta nativa para extração de madeira, sem programas de reflorestamento, a baixa produção de custo da mão de obra e o quase inexistente uso do carvão mineral à época, meados do século passado, importado ou produzido no país, mas impossibilitado de ser utilizado pelo comércio em função da malha viária precária. Nos últimos anos, o crescimento pela demanda de matérias-primas e insumos na economia global coloca o Brasil como um importante exportador, e concomitantemente um anacrônico retrato de exploração do elo mais fraco, que são os trabalhadores de carvoarias, onde se encontram muitas crianças.

Um relatório produzido em 2002, pelo então deputado Orlando Fantazzini, sobre exploração de trabalho de crianças e adolescentes em diversas atividades (trabalho em olarias; extração de pedras, areia, argila), revela com crueza a brutalidade do cotidiano das carvoarias: “(...) Trabalho noturno. Exposição a níveis elevados de pressão sonora (moto-serra). Esforço físico. Exposição à radiação solar. Picada de animais peçonhentos. (...) Queda de toras. Preparação e aplicação da barrela. Manuseio do fogo. Altas temperaturas. Calor excessivo. Exposição a variações bruscas de temperatura. Explosão e desabamento do forno combustão espontânea do carvão. Fumaça contendo subprodutos da pirólise e da combustão incompleta: ácido pirolenhoso, alcatrão, metanol, acetona, acetatos, CO, CO2, metano. Monotonia acompanhada do estresse da tensão(..).

O governo brasileiro tem feito esforços para diminuir o trabalho infantil nas últimas duas décadas, segundo trabalho do PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio) do IBGE, com crianças entre 5 a 17 anos, entre 1993 e 2004, indicando uma queda pela metade na atividade. A mesma pesquisa de 2008 indica que 4,8 milhões de crianças permanecem trabalhando.

Segundo o documento “O trabalho infantil em cadeias produtivas de base mineral” do CETEM (Centro de Tecnologia Mineral), publicado em dezembro de 2006, a produção de carvão vegetal ocorre em todo território brasileiro, aproximadamente 2.950 num total de 5.560 municípios, e em muitos deles há vultoso número de crianças e adolescentes trabalhando. Os estados com maior número de municípios na produção são Minas Gerais (311) e Bahia, e o Maranhão, que produz em todos os seus 217 municípios (IBGE, 2004).

A produção de ferro-gusa no país, do qual o aço é produzido e alimentado pelo carvão vegetal, se encontra em cinco importantes pólos: Quadrilátero Ferrífero – MG; Marabá – Pará; Açailândia – MA; Vitória – ES; Corumbá – MS (CETEM, 2004). Nos estados do norte, a produção de carvão vegetal está nos estados do Pará e Maranhão, dois pólos de ferro-gusa da região; a Amazônia, com sua disponibilidade mineral, é outro pólo importante de carvão, e o ferro-gusa ali produzido é utilizado no mundo todo, principalmente em peças automotivas.

Em novembro de 2006, uma extensa e detalhada reportagem publicada no site da agência de notícias Bloomberg News, pelos jornalistas Michael Smith e David Voreacos (“Slaves in Amazon Forced to Make Material Used in Cars”), revelou a relação entre o aço utilizado por grandes corporações norte-americanas, como a Nucor Corporation, General Motors e Ford utilizavam a matéria prima do ferro-gusa produzida por trabalho escravo (e infantil, levando em conta nesse nicho de trabalho) no Brasil, relatando a imensa cadeia de produção que leva o produto de um trabalho produzido aqui até as mais altas corporações com alto poder tecnológico e econômico, gerou grande repercussão e forçou empresas como a Ford a parar de importar o ferro-gusa brasileiro. À época, houve um imbróglio diplomático entre os países, por conta da vontade do governo norte-americano em checar as informações sobre o fato, por parte do deputado democrata Dennis Kucinich, que não foi levada adiante.

Pesquisa divulgada esse ano pelo IBGE aprofunda ainda mais a discussão em torno do trabalho infantil no Brasil: 59,5% dos brasileiros com idade entre 5 e 13 anos que trabalhavam em 2007 eram pretos ou pardos, comprovando o imenso desnível social que existe entre as raças no país.

Somadas todas as questões, o quadro permanece desolador até o momento, e o governo brasileiro precisa empenhar-se muito mais se desejar obter êxito na erradicação do trabalho infantil e escravo no país, sombras que se espreitam, lado a lado.


R. Saffuan (novembro/2008)


Obs: Esse texto foi um freela para uma revista de direito trabalhista. Não fui pago até hoje. Brasil.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Maria Eulália blues



Maria Eulália é um apartamento na rua Augusta, onde moram e já moraram alguns brothers.

Numa madrugada, compus esse poema/canção:


Madrugada

Hora em que meu coração separa

A angústia da calma

O fígado da alma


baixo Augusta, vidas ilhadas

onde o ódio e o amor

Andam de mãos dadas


Boemia não conhece progresso

Mas me tens de regresso

À baixa Idade Média


Necrópole do excesso

Os cacos de vidro

Revelam a noite passada


Mosaicos da libido

Os policias, apenas decorativos

Pode relaxar...


Amar aqui é confuso

Fliperama letal dos emos

Via arterial dos loucos


Latrina da Paulista

Estamos todos roucos

É o fim da picada


Tarde demais pras drogas

E cedo demais pro amor

Eu vou embora...


R.Saffuan


terça-feira, 13 de outubro de 2009

O que estou lendo



The life of Hunter S. Thompson: An oral biography - Jann S. Wenner/Corey Seymour

No prefácio do livro "Vida", coletânea de quatro biografias escritas por Paulo Leminski, a sua esposa e também escritora Alice Ruiz explica a escolha dos biografados de Paulo sob o prisma do universo masculino:

- Esses mortos precoces, dois por assassinato - Jesus e Trótski - e dois por precariedade - Cruz e Souz e Bashô - foram seus heróis por excelência. Não sei se seriam os meus. Mesmo porque essa é uma tradição entre os meninos. Em nossa infância as histórias e os gibis não traziam heroínas, só heróis. Que faziam os meninos sonharem com sues próprios grandes feitos quando crescessem. Heróis que eram substituídos ou abandonados quando efetivamente cresciam, determinado o brilho ou a mediocridade dos seus destinos.

Hunter S. Thompson é um dos meus heróis da fase adulta.

Até agora, li todos os livros escritos por ele que tiveram tradução aqui no Brasil (Rum, Hell's Angels, Screwjack, Reino do Medo, Medo e Delírio em Las Vegas, A grande caçada dos tubarões). Essa biografia oral sobre Hunter ainda não possui tradução, mas é fundamental dentro da estante da literatura e do jornalismo Gonzo, estilo tão comentado e alardeado, mas tão pouco lido.

Jann S. Wenner, um dos dois compiladores das entrevistas contidas nessa biografia oral, é o fundador da revista Rolling Stone e também foi o editor dos textos de Hunter por quase 30 anos, textos esses que deram alforria espiritual à revista, diferenciando-a do nicho babaca e estreito ligado ao rock and roll.

Hunter trouxe aos leitores da Rolling Stone um outro olhar devastador sobre o sonho americano, a falência desse sonho Jann, além de tudo, era um fã da escrita de Hunter, além de amigo companheiro de farras.

No livro, as vozes de personagens tão díspares como Pat Buchanan, redator dos discursos do presidente Nixon (seu ódio pelo ex-presidente se fez valer após o escândalo Watergate, e rendeu páginas memoráveis de escárnio e humor negro) até Sonny Barger, líder da gangue de motoqueiros Hell's Angels, passando por Jack Nicholson, Tom Wolfe e Johnny Depp, entre outros, ajudam a compor o enigma febril que foi o Dr. Thompson.

Caipira do Kentuck, obsecado por armas e violência, com um estilo de vida bizarro, regado a álcool e drogas.

O patriota às avessas, que concorreu às eleições para ser sheriff em Aspen, pelo "partido Freak Power".

O jornalista disciplinado que buscava checar e apurar todos os fatos quando não os conhecia com profundidade, em especial na cobertura das eleições presidenciais de 1972, durante um ano, que culminou no livro "Fear and Loathing on the Campaign Trail", considerado por muitos o relato mais fidedigno da campanha.

O camarada de todas as horas que oferecia aos amigos duros a única grana que possúia depositada no banco, segundo sua esposa Sandy.

O trapaceiro junkie que não cumpria acordos: Hunter não pagou um barril de cerveja aos Hell's Angels, que fora acordado como pagamento após a conclusão do livro, que narrou o lado podre e desgradável da geração flower power, uma leitura do "lixo branco" marginalizado dos anos 60, matéria literária do seu herói Willian Faulkner.

Personagem e criatura que se misturaram. Raoul Duke e Hunther Thompson. Mr. Jekkyl e Dr. Hyde. Rodeado de parasitas que viviam às custas da sua celebridade "Gonzo", fama essa que propiciou a sua decadência, assim como Jack Kerouac.

Um dos melhores escritores americanos de todos os tempos. Tom Wolfe, um dos papas do New Journalism, o considera "o maior satirista em língua inglesa do século XX. E ainda fundou o estilo Gonzo, que era o Novo Jornalismo levado às suas últimas consequências: dissolução entre narrador e personagem, uso de drogas durante a matéria e na confecção do texto, humor e muita elegância no estilo, a despeito de tudo isso".

E como disse certa vez o doutor:

- "Escrever é o mais odioso tipo de trabalho pra mim. Acho que é meio como foder: só é divertido pra quem é amador. Putas velhas não ficam dando risadinhas por aí.

R.Saffuan

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Dia das crianças




Na fila do doce distribuído pela minha madrinha Dirce. Aparecida. Acho que foi em 1990. Eu sou o quarto da fila, de trás pra frente.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Ela



(Willian de Kooning)


She – tradução – R.Saffuan



Dentro da minha faixa etária e pelo tipo de mulheres que conheço, ela é rara. Única. Especial.



Não gosta de cerveja, mas adora cosmopolitan.



Prefere assistir uma seqüência dilacerante de filmes introspectivos num sábado à noite ao invés de freqüentar os ruidosos bares da Augusta ou da Vila Madalena.



Ela não vai à manicure semanalmente. Na verdade, ela rói as unhas. Ela não troca figurinhas com as amigas a respeito de tipos de corte de cabelo, ou da pintura ideal para se atingir um tom agradável.



Ela não usa salto alto, a não ser em formatura ou casamento. Não usa tailler, decotes, maquiagem carregada.



Ela se expressa com o máximo de clareza possível, se não for para explicar sentimentos. Ela tem uma voz sensual, uma dicção perfeita e uma altivez de rainha, principalmente quando faz um coque no cabelo.



Ela é aquele tipo de mulher que te empresta um cd do Tom Waits no primeiro encontro amoroso e deixa seu coração com um rombo do tamanho do Grand Canyon e uma correnteza de whisky nas veias tragando velhas folhas secas num vórtice.



Ela não assiste a grade da televisão aberta. Ela não gosta de bestsellers, daquele tipo tão ruim, que quando você larga não consegue mais pegar.



Ela é aquele tipo de mulher que não justifica nada. Não pede desculpas, não contemporiza, não atenua a crueza dos fatos. Ela sabe como as coisas são, e aceita a natureza trágica embutida na alma de cada um de nós.



Ela sabe quando as chamas atingem sua fúria máxima e já consumiram as fotografias na parede de casa, e quando já não existem argumentos.



E o perfume da sua pele, da sua tez quase branca, é o mais inebriante que conheço.




Ela é a única, a única mulher que eu amei. A mulher ideal.



Yuri Gligoric

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Pacto pela sustentabilidade do Absurdo ou a Reinvenção do Mundo



- O assunto agora são as coitadas das sacolas plásticas. Financial Times, The Economist, Portal Eco e até a revista Veja não as per doam. Não poupam adjetivos desabonadores às ditas cujas. As grandes vilãs do século XXI. Elas geram o repúdio dos ambientalistas do Greenpeace.

- Valendo! Vá ao primeiro mercado da esquina e pegue quantas sacolas plásticas você quiser.

- Carlos Minc com uma sacola do Pão de Açúcar na cabeça, dois buracos nos olhos e um na boca, ao lado de Alfredo Sirkis e José Luiz Penna, ambos do Partido Verde, fazem como reféns funcionários da Petrobras.

- Lula convida oposição para o churrasco do pré-sal; traga sua picanha, mas não compre da Bertin.

- Monsanto cria método que suscita Alzheimer em agricultores de 20 anos de idade.

- Senador Mão Santa, do Piauí, continua passando a auréola no rabo do povo.

- O governador do Mato Grosso é estraçalhado por 10 onças famintas – o animal totêmico do Brasil. A cédula de 50 reais.

- José Martí: “Todas as glórias do mundo cabem em um grão de milho”.

- Gilberto Kassab vestido com uma roupa de empregada doméstica varre pontas de cigarro na Paulista num domingo de manhã.

- São Paulo é uma cidade imunda com uma lei chamada Cidade Limpa. Compor uma música chamada “Chão de bitucas”, paródia de Orestes Barbosa.

- Al Gore com um balde de água e um ventilador portátil tenta incessantemente preservar um iceberg enquanto serve sushi de salmão para um urso polar.

- E como diz Sam Walton, fundador do Walmart, EU SOU O CLIENTE QUE NUNCA VOLTA!

R.Saffuan

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Scriptease

Anestesia. A folha em branco; a assepsia da sala de cirurgia vazia; lavar bem as mãos de forma obssessiva, aqui, não adianta, não faz diferença; elas podem aprodrecer como naquele poema do Drummond.

Vista turva por de trás das janelas embaçadas, ou por causa da chuva ou pela respiração ofegante das almas.

Aqui não há amores de novela, helicópteros de novela, serviçais de novela. Aqui as palavras são um imenso novelo e nós somos gatos perseguindo a ponta que dele se desenrola.

Não tem ninguém perguntado se você quer um drink. Não tem ninguém perguntando sobre o significado da palavra solipsismo. Há uma garrafa contendo um último raio lunar, livros caindo pelas tabelas, guardanapos rabiscados como palimpsestos, borrados, manchados, como um pedaço de papiro amarelado.

Les amours jaunes, coletânea do poeta Tristán Corbiere ao meu lado. Seu primeiro livro: Ça - isso. Suspenso na página em branco. Branco por todos os lados. Ça.

O novelo acaba, a malha está pronta para o uso, mas o frio continua intenso lá fora; portanto, um novo cachecol é preciso ser confecionado. E quando o verão chegar? O que escrever?

Logo a escrita recomeça, inútil como forte chuva dentro do mar, aquela que Kerouac percebeu e passou a utilizar em suítes musicais ou sínteses de haicais.

Useless, uselles/ the heavy rain/ into the sea.


Não escrevo. Apenas ouço o som do teclado e começo a respirar. (Carlinhos Oliveira).

sábado, 3 de outubro de 2009

OUVIDOS ATENTOS!




1) Antes da Boa-Nova ser anunciada, pausa mediúnica para a fala do poeta Waly Salomão. Oxossi, arco e flecha certeira:



- A felicidade do negro é uma felicidade GUERREIRA.



2) A Folha de S. Paulo divulgou na “Ilustrada”, última terça-feira, o lançamento póstumo de 26 canções do cantor e compositor Itamar Assumpção, que devem sair em meados de 2010, integrando a Caixa Preta, projeto supervisionado pela sua filha Anelis Assumpção.


A Caixa Preta conterá todo o legado musical de Itamar, 12 álbuns remasterizados, que foram lançados de forma alternativa por Itamar ao longo da sua carreira, a maior parte deles pela loja/selo Baratos Afins, localizada na Galeria do Rock, onde ainda é possível encontrar as maravilhas do Nego Dito.


No songbook de Itamar ("O livro de canções e histórias de Itamar Assumpção"), o jornalista, amigo e músico Luiz Chagas, que o acompanhou desde o álbum clássico Beleléu, Leléu Eu, descreveu o esboço do projeto a respeito da “Caixa-Preta”:


- No final dos anos 1990, Itamar percebeu que seria inviável relançar os discos como queria, remixados, já que os registros originais haviam se perdido. Para driblar esse percalço, o artista arquitetou uma saída como sempre original. Na falta dos discos originais, regravaria os discos que fez, com os arranjos originais, nota por nota. Clara Bastos foi encarregada de fazer essas transcrições e as Orquídeas seriam a banda de base à qual se juntariam Iscas (de Polícia) e outros poucos convidados, conforme a música. Tinha até escolhido um nome para o projeto: seria Caixa Preta. A fotógrafa Vânia Toledo foi solicitada para fazer a parte visual.


As 26 canções que foram ouvidas pelo repórter da Folha, Marcus Preto, comporiam a trilogia programada por Itamar para fechar o primeiro álbum que fora idealizado, em 1998, Pretobrás – Por que eu não pensei nisso antes?. Seria o segundo ciclo de trilogias do músico na década de 90, sendo o primeiro composto pela banda Orquídeas do Brasil que gravou o Bicho de sete cabeças, I, II, III.


"Todo dia eu saio por aí/tentando descobrir o que ninguém já houvesse descoberto algum dia".


No ínterim de 1998 a 2003, ano da sua morte, Itamar deixou o inacabado Isso vai dar repercussão, gravado em parceria com Naná Vasconcelos. Durante o processo criativo para composição e gravação do álbum, Itamar já convalescia de um câncer no intestino, mas utilizou o tempo escasso que ainda lhe faltava para compor incessantemente.



Naná Vasconcelos relata na matéria da Folha que diariamente Itamar levava idéias de letras e canções para o estúdio (às vezes, recém saído da sessão de quimioterapia), onde os dois trabalhavam nesse álbum de apenas sete músicas, mas extremamente expressivo, um rico manifesto de duas cabeças iluminadas, celebrando a cultura antropofágica:


- “Eu tenho o cabelo duro/ mas não o miolo mole/ (...) sushi com chuchu misturo/quibebe com ravióli/ chopp claro com escuro/ empada com rocambole."


- “Na próxima encarnação/ não quero saber de barra/ replay de formiga não/ eu quero nascer cigarra”.


- “Meu amor por você chegou ao fim/ é tudo que tenho a dizer/ também não precisa sair assim/espere o dia amanhecer.”


- “Culturalmente confuso/ brasileiro é aculturado/ líbio, libanês, árabe, turco, acha/ farinha do mesmo saco/ não saca croata, curdo/não saca iuguslavo/ nem belga nem mameluco/ não saca Plutão nem Plutarco/ (....) Kafka, Freud Confúcio/ não saca que russo é cossaco”.


- OUVIDOS ATENTOS – ano que vem o Nego Dito estará de volta. Em sua melhor forma: acesso irrestrito à sua formidável obra.