quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Loki?








Há algumas semanas assisti o documentário “Loki”, sobre o genial Arnaldo Baptista, nome esse pescado de um álbum seu de 1974, o primeiro composto após a traumática saída dos Mutantes, o grupo mais revolucionário da história da música brasileira – não é qualquer banda que mistura psicodelia inglesa com música caipira, soul & pontos de umbanda, Orestes Barbosa & Sílvio Caldas misturado a recursos de sonoplastia que simulam sons de metralhadoras e vidro quebrado - tudo isso em plena ditadura militar, sem internet e, sobretudo, quando Rita, Sérgio e Arnaldo eram muito, muito jovens.

Durante a década de 70, Arnaldo amargou anos em uma constante e profunda depressão, ocasionada, sobretudo, por seu rompimento com Rita Lee, com os Mutantes (já em sua fase 100% progressive rock, quando foram morar na Serra da Cantareira) e pelo uso contínuo e desbragado de LSD e outras drogas. O Arnaldo que emergiu desse cenário aparentava um aspecto doentio, desconectado com a “realidade”, mas ainda genial em suas composições.

Não conheço ninguém que tenha o álbum “Loki”, que comprei aos 20 anos na Baratos Afins, selo que gravou Itamar Assumpção e uma leva imensa do punk rock 80’s, e que ainda funciona como loja de música, em atividade na Galeria do Rock, capitaneado pelo heróico Luiz Calanca. Durante esses anos, ouvi o álbum uma infinidade de vezes – gravado ao vivo, com piano (Arnaldo), baixo (Liminha) e bateria (Dinho - os dois últimos ainda integrantes dos Mutantes) a sonoridade do álbum lembra um Jerry Lee Lewis tropicalista & psicodélico, com letras absolutamente dadaístas e com muito humor (acho que não existe dadaísmo sem humor), como a que abre o disco, onde Arnaldo se questiona: Será que eu vou virar bolor????.

Não vou discorrer sobre o documentário, um dos mais emocionantes que já assisti na minha vida; acho que todo mundo que gosta de música brasileira deveria assisti-lo. O que me interessa e incomoda é o desconhecimento absoluto da obra de um cara genial como Arnaldo em função de sua “estranheza”. O ostracismo que viveu na segunda metade da década de 70, assim como o que viveu Tom Zé, Jards Macalé, Sérgio Sampaio, entre outros, é decorrente de um não entendimento artístico de soluções estéticas inovadoras. Artistas que não fazem concessões. Por essa razão o Chico Buarque e o Caetano, por exemplo, sempre estiveram em voga – o primeiro pelo seu “parnasianismo Belle Époque”, em contraponto às suas composições transgressoras; o segundo pelas sempiternas gravações de Peninhas e afins.




Daí a pecha “marginal”. Marginais. Os artistas são as antenas da raça, dizia o poeta e crítico norte americano Ezra Pound. Mas parece que essas antenas por vezes remetem ao Gregor Samsa de “A Metamorfose”, de Franz Kafka. Há um misto de asco e fascinação com artistas que parecem absolutamente novos, e acho que foi o que aconteceu com Arnaldo. Por vezes, é melhor enterrar vivo um gênio para que ele não “desafine o coro dos contentes” (dixit Torquato Neto).

Depois do álbum “Loki”, Arnaldo compôs e tocou todos os instrumentos no álbum “Singing Alone”, de 1979. É um álbum ainda mais assombroso, repleto de pequenas delicadezas, amargura, humor – um dicionário afetivo da vida de sua vida, de suas influências estéticas e musicais. A música que abre o álbum, “I fell in love one day”, só voz e piano, já não lembra o entusiasmo juvenil e iconoclasta de um Jerry Lee, mas sim um Erik Satie melancólico, fin-de-siécle, desfiando amargura na letra composta em inglês: “I fell in love one day/ to a lady so cool/ she had all the magic serpents/ohhhhh/”.

O mais importante de todo esse papo é que Arnaldo está lúcido, após ter sido “ressuscitado” por sua mulher e anjo da guarda, Lucinha. E me parece extremamente feliz. Ele conseguiu um feito: personificou a sua canção mais conhecida, “Balada do Louco”. E segue assoviando melodias inauditas por aí.

Rodrigo Saffuan

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